Dramaturgia em Miniatura
Pequenas narrativas do existir.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
sexta-feira, 1 de abril de 2011
As coisas são para quem as enxerga.
Parou um instante, sentiu o ar e avançou decidido até o fim do corredor. Observou atento as possibilidades da localização, mas ficou em pé. Acenou. Ela respondeu mexendo na bolsa:
- Senta lá no fundo, Homem-Aranha, que a mãe tá pagando a passagem.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Cala a boca!!!
O encontrei reclamando no colo da mãe, que no meio de uma conversa animada com a amiga simplesmente lhe jogou um "cala a boca!".
Será que ele entendeu?
A mãe achou que não. Apertou o queixo do pequeno com o dedão, e sem muito esforço o calou. Ele relutou no início, mas por fim pareceu se conformar. Ficou mudo, com a testa franzida, recluso dentro do mundo do seu xale azul.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Sorte de quem?
Entrou rápido no trem, trazendo junto os dois filhos. Uma menina de uns 10 anos, muito parecida com ela, e um garotinho menor, de uns 7.
Se aboletou ao meu lado com os dois pequenos no colo e olhou ao redor, procurando algo. Seus olhos encontraram os meus, que involuntariamente devem ter consentido o contato.
- Tu sabe onde eu pego o ônibus para Novo Hamburgo?
- Não, desculpe. Não venho muito para esses lados.
Como eu não continuei a conversa, ela respondeu o que eu não perguntei.
- Eu não sei ler nem escrever. Meu sogro me explicou o caminho. Não consigo ler as placas dos ônibus.
Fiquei com pena. Não sei se de mim ou dela. Continuei calada, mas curiosa. Ela, sentindo que havia encontrado olhos e ouvidos dispostos, seguiu:
- Vim trazer as papeladas do meu marido. Ele tá preso e vim trazer os papéis pra ele ser solto. Ele tava no semi-aberto, mas fugiu. Ficou dois anos fora, mas daí ele mesmo se entregou. Tá lá há 4 meses agora...só eu visito. Depois que eu entregar isso ele sai em 30 dias, me disseram.
- Que bom, eu disse, com vontade de perguntar muito mais.
- A passagem tá muito cara. Eu ganhei essas aqui, falou abrindo a bolsa e mostrando os vales do ônibus no qual fariam baldeação ao descer do trem.
- Vocês moram onde?
- Eldorado do Sul?
- É longe.
- É. Hoje o cobrador até reclamou. A menina já paga passagem, então eu digo pra ela passar por baixo da roleta. Esse é o jeito, eu não posso roubar, não posso ir presa...
Um outro passageiro, que transitava entre o sono e a atenção na nossa conversa, de repente pergunta:
- Teu marido tá no Central?
- É, ela disse meio a contragosto.
- E ele não trabalha?
- Ofereceram pra ele cuidar dos portões das celas, mas ele não quis. Não dá pra fechar os parceiros dele.
- Ah, mas se ele tinha fugido, até que a função é boa.
- É, mas bem capaz fechar os parceiros deles...
- Tu sabe que na cadeia não tem parceria, né?
- É...mas bem capaz...
Disse isso olhando para fora, fitando o mato alto que passava rápido pela janela do trem. O homem levantou e saiu cambaleando, tão logo o trem parou na próxima estação.
Ficamos em silêncio. Ela avista na outra ponta do vagão um banco maior, onde cabem ela e os filhos. Aponta para as crianças, que vão na frente apostando corrida. Antes de levantar, me olha no olhos.
- Boa sorte.
Ela não sabia de onde eu vinha e nem pra onde eu ia, e fiquei com a sensação de que a minha sorte devia ser dela.
domingo, 30 de janeiro de 2011
O início.
Já faz algum tempo que tento ter um blog. E desde sempre, a desculpa para abandonar o projeto é a falta de tempo para atualizar a página. Na verdade faltava motivação, já que um diário na rede sobre as banalidades do meu dia é algo que realmente não me interessa. Nem pra mim e nem pra ninguém.
Pensei bastante, e eis que as minhas novas pesquisas e parcerias profissionais me deram uma luz. Esbarramos todos os dias em poesias concretas e realidades duras desenhadas na carne. Nem sempre há como transpor o momento para os suportes narrativos , mas é possível engolir, digerir e devolver uma reflexão.
Começo hoje, ainda sem saber por quanto tempo, um diário de dramaturgias em miniatura. Pequenas verdades, pontos de vista e reconstruções das coisas do existir.
Não tenho compromisso com nada, só com o fluxo. E sabe lá pra onde ele vai...